Artigo da Pós: FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA

  • Data de publicação
    16 de maio de 2022
  • Discussão
    Nenhum comentário

É o reconhecimento jurídico da maternidade e/ou paternidade com base no afeto, sem que haja vínculo de sangue entre as pessoas, ou seja, quando um homem e/ou uma mulher cria um filho como seu, mesmo não sendo o pai ou mãe biológica da criança ou adolescente.

A comprovação da filiação socioafetiva se dá pela utilização de provas que demonstrem o vínculo afetivo e de proteção entre as partes e de que a relação filial mantida sempre foi pública, consolidada e duradoura.

A filiação socioafetiva até os dias atuais não tem regramento específico na lei civil em sentido estrito. Hoje, o que se tem é a normatização do instituto do reconhecimento da filiação socioafetiva pelo Conselho Nacional de Justiça, com a edição do Provimento nº 63, de 14 de novembro de 2017, que foi alterado pelo Provimento nº 83, de 14 de agosto de 2019. A principal mudança diz respeito à idade para reconhecimento da filiação em cartório. Antes era possível que todos se beneficiassem dessa modalidade, mas as novas regras determinam que a via extrajudicial só pode ser utilizada pelos filhos maiores de 12 anos.

Apesar das diferenças no âmbito de sua positivação, os institutos da adoção e da filiação socioafetiva ostentam entre si uma série de características em comum. Ambas são formas irrevogáveis de constituir família por meio de filiação não biológica, gozam da proteção constitucional da igualdade entre os filhos, preconizada no artigo 227, §6º, da CF8, assim como as duas podem se sobrepor e prevalecer em relação ao vínculo biológico, com fulcro no princípio da afetividade e no princípio do melhor interesse do menor e sua integral proteção.

Assim sendo, a partir desses princípios as crianças e adolescentes passaram a ser reconhecidos como titulares de direitos plenos e específicos, que vão muito além dos direitos fundamentais outorgados a todos, isso em razão de sua condição peculiar de vulnerabilidade. É através da proteção integral que se é possível extrair os fundamentos que norteiam o princípio do melhor interesse da criança, já que esse princípio determina a primazia dos direitos e necessidades infanto-juvenis.

Para isso, destacamos os três requisitos estipulados pelo Supremo Tribunal Federal para reconhecimento da filiação socioafetiva1:

1) ser tratado como filho pelos pais afetivos;

2) usar o nome da família;

3) gozar do reconhecimento de sua condição de descendente pela comunidade.

Os efeitos jurídicos dessa filiação socioafetiva pressupõem a declaração e o reconhecimento do estado de filho, assim como o ingresso desse fato no registro civil de nascimento, ficando assegurado o estabelecimento formal da relação de parentesco e a adoção do sobrenome do reconhecente pelo reconhecido.

Os Tribunais superiores mantêm o entendimento de que deve prevalecer o melhor interesse da criança nas práticas de adoção à brasileira2, quando a adoção é feita de forma irregular, e não há de forma alguma inconstitucionalidade nestas decisões, uma vez que o parágrafo único do art. 242, CP permite a não aplicação da pena e, além do mais, o que importa é o bem-estar da criança, uma vez que este terá seus direitos mínimos estipulados pelo Art. 227 da Constituição garantidos, sendo assim, vejamos:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. HABEAS CORPUS. ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL DE MENOR. APARENTE ADOÇÃO À BRASILEIRA E INDÍCIOS DE BURLA AO CADASTRO NACIONAL DE ADOÇÃO. PRETENSOS ADOTANTES QUE REUNEM AS QUALIDADES NECESSÁRIAS PARA O EXERCÍCIO DA GUARDA PROVISÓRIA. VÍNCULO SOCIOAFETIVO PRESUMÍVEL NO CONTEXTO DAS RELAÇÕES FAMILIARES DESENVOLVIDAS. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DO MENOR.

2- Conquanto a adoção à brasileira evidentemente não se revista de legalidade, a regra segundo a qual a adoção deve ser realizada em observância do cadastro nacional de adotantes deve ser sopesada com o princípio do melhor interesse do menor, admitindo-se em razão deste cânone, ainda que excepcionalmente, a concessão da guarda provisória a quem não respeita a regra de adoção. (STJ. Terceira Turma. Data do julgamento: 27/02/2018. HC 385507/PR. Ministra Nancy Andrighi)

Ainda:

HABEAS CORPUS. ANULAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO. MEDIDA LIMINAR PROTETIVA DE ACOLHIMENTO DE CRIANÇA EM ABRIGO. GRAVE SUSPEITA DA PRÁTICA DE “ADOÇÃO À BRASILEIRA” EM DUAS OCASIÕES DISTINTAS. INDÍCIOS DE ADOÇÃO DE CRIANÇA MEDIANTE PAGAMENTO. AUSÊNCIA DE CONFIGURAÇÃO DE RELAÇÃO AFETIVA. GRAVIDEZ FALSA. INDUZIMENTO A ERRO. AMEAÇA GRAVE A OFICIAL DE JUSTIÇA. CIRCUNSTÂNCIAS NEGATIVAS. MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. ABRIGAMENTO. EXCEPCIONALIDADE. NÃO OCORRÊNCIA DE DECISÃO FLAGRANTEMENTE ILEGAL OU TERATOLÓGICA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.

  1. A jurisprudência desta eg. Corte Superior tem decidido que não é do melhor interesse da criança o acolhimento temporário em abrigo, quando não há evidente risco à sua integridade física e psíquica, com a preservação dos laços afetivos eventualmente configurados entre a família substituta e o adotado ilegalmente. Precedentes. (STJ. Terceira Turma. Data do julgamento: 05/12/2017. HC 418431/SP. Ministro Moura Ribeiro)

O próprio STJ vem decidindo pela permanência da criança na família adotiva, mesmo que isto tenha ocorrido por meios ilegais. O que se leva em consideração é o melhor interesse para a criança, uma vez que, se a finalidade do Estado é o bem social, deixar que a criança permaneça em seu lar onde houve a criação do vínculo afetivo é respeitar o adotado.

Partilhando do mesmo entendimento, os Tribunais inferiores também proferiram decisões que não condenam tal prática ilegal de adoção, sempre reiterando o melhor interesse da criança, além de levarem em consideração que com a criação do vínculo socioafetivo, não há por que descaracterizar tal ato.

Está consolidado entre os diversos Tribunais que a prática conhecida como adoção à brasileira, embora seja ilegal, não é desclassificada como adoção e muito menos punida, posto que se leva em consideração a voluntariedade do agente que pratica tal conduta e principalmente o melhor interesse da criança, pois este é o pilar de toda esta discussão. Mas importante reiterar que cada caso concreto é analisado nas suas circunstâncias, devendo sempre prevalecer o devido processo legal para melhor clarividência das intenções.

1 STF, RE 898060/SC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, julg. 21/09/2016, DJe. 24/8/2017.

2 Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/293739/adocao-a-brasileira–crime-ou-causa-nobre